A alegria tranquila

Taynara Gregório
4 min readSep 25, 2023
Photo by dominik hofbauer on Unsplash

São 9:06 de uma sexta-feira à noite. É Dia de Reis e, apesar do verão, chove incessantemente e faz um pouco de frio. Pego um cobertor e estendo sob a cama. É hora de ficar imóvel e preciso de algo me aquecendo.

Abro o livro “O mundo que habita em nós”, da Liliane Prata e, aos poucos, vou mergulhando para dentro das reflexões feitas pela autora. Dentre as muitas questões levantadas por Liliane, uma delas me prende mais: o que fazemos de fato para nós mesmas? A escritora aborda como nossa subjetividade não se reduz à nossa autoimagem e como quando mergulhamos em nós mesmas a alegria se torna mais verdadeira, com mais sentido.

Esse é um livro que quero ler há alguns anos, mas fiquei feliz por ele chegar até mim somente agora. Nos últimos meses tenho experienciado essa sensação de “alegria tranquila”, quando a gente sai um pouco do olhar do outro, do que nos é esperado, e enxerga, com clareza, quais prazeres realmente nos conectam com nós mesmas.

Há um ano, uma sexta à noite em casa por escolha própria nunca seria uma opção. Me sentia bem, mas estava sempre em busca de um prazer imediato que me fizesse me sentir melhor.

“O momento presente nunca basta. O que temos nunca basta. Queremos mais.”

Lili fala em seu livro sobre como, especialmente atualmente, temos tantas promessas de felicidade e prazer imediato, que nos perdemos em tudo o que achamos que deveríamos estar fazendo ou sendo. Esse prazer, entretanto, não perdura: no fim, precisamos de desenvolver vínculos, participar de processos.

Entre o ano passado e esse que acabou de iniciar, passei por uma experiência que me transformou completamente. Da noite para o dia, vi meu pai, um homem saudável de cinquenta e quatro anos, quase perder a vida e passar um mês no CTI. Viver isso me fez repensar toda minha vida: meus afetos, minha rotina, como quero viver meus dias e até como quero lidar com minha ansiedade. Em meio a tudo isso, passei muitas sextas e sábados à noite no hospital ou cuidando do meu pai em sua casa. Esse período me fez perceber que uma sexta à noite é só mais uma noite e a busca pelo prazer que precisa existir nela muitas vezes me levava para lugares que eu nem queria ir de verdade.

Essa experiência me mostrou na pele como a vida é frágil e que perda de tempo é passar os dias fingindo que sou quem não sou, fazendo coisas que não quero fazer e estando ao lado de pessoas que não gosto de verdade. Aprendi a valorizar momentos em família — ocasiões que nunca foram minhas preferidas — e momentos sozinha.

Entendo, hoje, a necessidade de estar comigo mesma. Deixei as desculpas de lado e viajei completamente sozinha pela primeira vez. Aprendi que minha companhia é tão deliciosa quanto de um novo amor ou uma amiga antiga. Passei um dia inteiro sozinha na praia e desfrutei do sol, do mar e da areia sem precisar de outra pessoa — pessoal ou virtualmente. Até porque, como a Lili menciona no livro, nunca estamos verdadeiramente sozinhas: estamos sempre em relação com todos os seres que fizeram daquele momento uma realidade.

Como escritora, momentos sozinhas são cruciais. As experiências que vivo são o coração de tudo que escrevo, é claro, mas preciso de solidão para processar, articular e escrever.

Confrontar quem somos na solidão, no silêncio.

O ato da escrita é um ato solitário. E acho que é por isso que escrever nunca me foi uma escolha: é como eu me mantenho sã. Desde criança, escrever era uma forma de organizar meus pensamentos, colocar no papel tudo aquilo que eu nunca tive coragem de dizer em voz alta e, hoje em dia, uma forma de me conectar comigo mesma e com o mundo de forma íntima. Quanto mais em paz estou comigo, mais quero escrever e elaborar, palavra por palavra, tudo aquilo que me atravessa.

Escrever é sempre um me despir do meu ego. Muitas vezes escrevo coisas que acho feio em mim e quando publico é como se eu colocasse minha versão mais vulnerável em exposição. Não posso ser hipócrita: receber likes, elogios e palmas me deixa feliz, mas publicando o que escrevo aprendi que o que realmente me deixa alegra é a coragem da exposição e a conexão com o outro. Colocar uma crônica ou um conto no mundo é como se dividir o peso daquele sentimento. Receber um “é exatamente assim que eu me sinto” é como receber um abraço amoroso.

Escrever e estar sozinha me faz bem na mesma proporção que estar com meus amigos em uma festa, mas são prazeres diferentes que aprendi a cultivar simultaneamente. Se eu passo tempo demais em casa, se elaboro demais tudo o que sinto, fico ansiosa e deprimida. Se eu fico tempo demais nas ruas, socializando com pessoas conhecidas e novas, fico angustiada e triste. Na busca de um olhar atento sobre minha vida e quem eu estou sendo, descobri que preciso de ambos.

Aprendi que preciso do olhar e do afeto do outro, mas não posso me viciar nele. A vida também é vivida quando ninguém está olhando e, geralmente, são nesses momentos em que eu mais me encontro. A chave para ter prazer nos opostos é sempre a presença. Se me proponho a ficar em casa ou a sair, preciso me perguntar antes “o que eu realmente quero fazer?” e a resposta me leva ao meu desejo lúcido, que me nutre verdadeiramente.

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Taynara Gregório

Jornalista e comunicadora | “Escrevo como quem manda cartas de amor”