Fim de tarde

Taynara Gregório
3 min readNov 28, 2023

Pedro olhava para o mar enquanto tentava, sem sucesso, não pensar no trabalho. Se sentia infeliz naquele escritório, mas não sabia como sair de lá sem voltar à estaca zero da vida profissional. Sabia, no entanto, que sua insatisfação afetava todas as esferas de sua vida, inclusive seu casamento, que queria tanto preservar. Dia após dia, se esforçava para manter Vanessa próxima, sem dar evidências de sua angústia que crescia, para não arriscar perder mais uma coisa boa na sua vida.

Por mais que tentasse silenciar, a voz de seu pai entoava em cada canto da sua mente. “Você não vai a lugar nenhum desse jeito”. Sentia em seus ossos que o pai poderia estar certo, mas não gostaria de dar esse gostinho a ele. Precisava ir a algum lugar. Mas qual? E, mais importante, como?

Se sentia perdido e tinha medo de se abrir para a esposa, mostrando que ele não era o homem perfeito por quem Vanessa tinha se apaixonado.

Tirou os olhos do horizonte e percebeu que ela sorria para ele. Tentou retribuir, dizendo para si mesmo que faria o que fosse possível para reunir coragem e agir de acordo com o homem que ele sempre quis ser.

Decidiu entrar no mar.

Vanessa lia um pouco distraída quando percebeu o olhar de Pedro se concentrar à frente.

À frente, onde existia o mar. E também um grupo de mulheres. Eram todas jovens, não mais do que trinta e poucos anos, e os corpos e biquínis gritavam isso. Eram seis mulheres, mas uma em específico chamou sua atenção. Ela usava um biquíni verde-escuro e tinha a pele bronzeada coberta por pequenas tatuagens. Seu cabelo era castanho escuro e liso, tocando gentilmente seus ombros. Seu corpo era perfeitamente proporcional e parecia ter saído do catálogo de uma marca qualquer dessas de slow fashion, “feita com afeto”. Ela sorria enquanto estendia sua canga na areia, sem pudor algum com a visão intima de si que o ato proporcionava a todos ao seu redor.

Vanessa odiou ela. E talvez tenha sentido, também, atração. Queria ser ela ou transar com ela? Não importava, o que importava era que Pedro também a via e se ela desejou a modelo-da-Farm por um instante, por que ele não desejaria?

Desejou, na verdade, focar em seu livro. Política econômica dos Estados Unidos. Ok. Passava os olhos pelas linhas sem que sua memória registrasse o que estava escrito nas páginas. Depois de alguns minutos, levantou levemente os olhos. A modelo tinha saído da cena, mas os olhos de Pedro continuavam à frente, em direção ao mar.

Acalmou-se por um instante, pensando no quanto era paranoica e se odiando por isso. Sorriu para ele e ele deu um sorriso fraco de volta. Ele só deve estar cansado, pensou.

Voltou para seu livro e o namorado disse que iria dar um mergulho antes do Sol ir embora. Ela assentiu e concentrou-se em seu livro por alguns instantes até se dar conta de que a modelo também estava lá, no mar, aproveitando os últimos raios da tarde.

Seu coração gelou. Queria olhar em direção a eles, mas paralisou. Era difícil admitir, mas uma parte de si queria olhar e vê-los conversando, aparentemente sem qualquer tipo de flerte, mas com tensão sexual no ar. Ela, então, esperaria ele voltar e, friamente, diria um punhado de coisas horríveis para ele e iria embora sem olhar para trás.

Outra parte de si queria olhar e ver que a modelo nem lá estava, o que a faria se sentir boba, mas contente com a confirmação de que Pedro nunca desrespeitaria ela daquela forma.

E, então, levantou os olhos.

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Taynara Gregório

Jornalista e comunicadora | “Escrevo como quem manda cartas de amor”